A Ásia, muito variada nos seus focos culturais e religiosos, é desafio permanente à capacidade de absorção do diferente – sem perda da própria identidade –; implica um violento encontro intercultural e inter-religioso que põe à prova a nossa própria fé e produz uma tensão constante entre unicidade e universalidade. Aí tiveram origem as grandes religiões e importantes movimentos espirituais; aí se respira tanto uma ascese mais ou menos radical como um sincretismo provocante, com profundos alicerces nas mais agudas carências do ser humano. Uma missão no mundo asiático exige o esculpir de uma nova capacidade de abertura ao dissemelhante e desconhecido, àquele e àquilo que nos desafia a interrogarmo-nos no que de nós é mais central e essencial.
Foi nos primeiros anos da década de 1990 que a SMBN começou a pensar seriamente na viabilidade de abertura da sua actividade missionária a este continente misterioso e fascinante, respondendo, assim, a apelos implícitos ou explícitos da Igreja universal, tanto em documentos como alocuções, e evocando, igualmente, o passado de Cernache do Bonjardim e a sua longa tradição de preparação de sacerdotes para diversos campos daquele mundo longínquo.
O alargar do campo de missão ao continente asiático significava a entrada num terreno distante e de tal modo ignoto que certamente iria alvoroçar e agitar os alicerces da SMBN e daria nova configuração à missão ad gentes. Aí nos iríamos deparar com religiões solidamente estabelecidas e inseparavelmente enleadas na estrutura sociocultural, com veios de espiritualidade profundamente lavrados na vivência quotidiana. Uma situação que exigiria novas formas de expressão e novos tipos de linguagem e aproximação.
Quando a abertura ao continente asiático foi concretamente assumida pela Direcção Geral da SMBN, foram procurados os países que, pelas suas particularidades, poderiam ser como que porta de entrada para a compreensão da complexidade da Igreja asiática, uma Igreja que é exemplo forte de unidade na diversidade. Para a sua concretização, era necessário recorrer a meios institucionais de auxílio. Tendo em conta o facto de que cada Igreja local ou Instituto é uma célula do mesmo corpo, recorreu-se ao apoio do IEME (Instituto Español de Misiones Extranjeras), com missões no Japão e na Tailândia. Optou-se pelo Japão, principalmente pelas suas condições mais propícias no que diz respeito à aquisição de visto de residência: ao contrário das dificuldades colocadas pela Tailândia ao missionário que aí desejasse desempenhar as suas funções, o Japão concedia um visto inicial de três anos, renovável sem grandes obstáculos.
Com que tipo de nação iriam os missionários deparar-se? O Japão é um mundo enigmático, cativante, árduo, repleto de contrastes e contradições. O povo é gentil, atencioso, delicado, de nível cultural elevado. Um país economicamente rico, mas cheio de pobrezas, que se radicalizam nas mortes por excesso de trabalho e no elevadíssimo número de suicídios, muitas vezes suicídios colectivos de jovens que não encontram razões para a vida. Um filão de novas formas de pastoral de encontro e acompanhamento discreto e atento. O ser-se companheiro de peregrinação.
10 de Março de 1998 é a data oficial da abertura da SMBN ao Japão, dia em que o P. Adelino Ascenso ali chegou. O P. Nuno Lima foi o segundo membro da SMBN a fazer parte do grupo do Japão, aí chegando nos finais de Setembro de 1999. Iniciava-se uma nova página de esperança na actividade da SMBN. Uma esperança que se desejava – e deseja – assente sobre robustos alicerces que nunca devem tolher a ousadia. Passaram mais alguns anos até que o P. Domingos Areais, sacerdote da Diocese do Porto, começou ali a sua experiência missionária de 5 anos como padre associado da SMBN. O P. Marco Casquilho foi nomeado para o Japão em 2010, precisamente quando o P. Domingos Areais regressava a Portugal.
Quais as impressões nos primeiros tempos no Japão? Apercebemo-nos de que a aprendizagem da língua – factor imprescindível para desenvolver qualquer actividade pastoral no Japão – é apenas um meio de comunicação que nos conduz à entrada do gigantesco edifício da cultura, com as suas formas de pensar, agir e reagir tão distintas do nosso mundo ocidental, que a cada momento brota, naturalmente, a interrogação quanto às nossas pretensões de certeza. Uma depuração, uma kenosis dolorosa mas necessária.
No mundo actual, em que o pluralismo cultural e religioso é uma constante, a questão com que o missionário se depara é o «como»: aprender comoviver juntos, como respeitar o outro, como dialogar com o diferente. As mudanças vertiginosamente aceleradas e a alteração ou substituição das nossas referências são razões para preocupação quanto a um futuro incerto. Esta incerteza deve estimular a busca e aprofundar o como da missão. É neste sentido que o Japão é um enorme desafio. Como responder a este desafio? Será na dramática aventura diária de busca que a resposta se construirá. Com o coração aberto e destemido; apelando sempre a um lúcido discernimento.
Adelino Ascenso