Igreja e Missão – Janeiro/Abril 2018 – Ano 71, nº 237
Adelino Ascenso
O Samurai de Shūsaku Endō: Uma viagem espiritual
Joaquim Domingos da Cunha Areais
O ambiente histórico, cultural e religioso envolvente da comunidade joanina: Génese do Quarto Evangelho
Rui Pedro Vasconcelos
O jardim que a ausência permite: Uma leitura da obra Amigo e Amiga de Maria Gabriela Llansol
Editorial
Diz o norte-americano de origem japonesa Makoto Fujimura, na sua obra Silence and Beauty, que a cultura japonesa não aceita com facilidade influências que venham de fora e rejeita novas ideias que possam ameaçar a harmonia do grupo. De facto, a harmonia (wa em japonês) é um conceito tão importante, que foi incluído na primeira Constituição, promulgada pelo príncipe Shōtoku Taishi (574-622) em 604 (Artigo 1:
«A harmonia deve ser valorizada e as contendas evitadas…»). Se não se entender a importância do sentido de filiação grupal na cultura japonesa, será difícil compreender o pensamento do japonês comum. Há categorias de grupos que são determinantes para o indivíduo no Japão. Ele ou ela terá de pertencer a uma família ou vizinhança e, simultaneamente, deve estar agregado/a a alguma companhia, escola, colégio ou universidade. As decisões são tomadas dentro de tais categorias ou na relação entre elas. Decisões pessoais não são permitidas, uma vez que perturbam a harmonia desses grupos. É aqui que entra em acção o termo wa: o individual ao serviço da comunidade. A cultura e a vida social japonesas estão centradas neste conceito de harmonia com os outros, tanto os vivos como os mortos; a harmonia com os deuses e com a natureza também é central nesta concepção da vida. Uma expressão tão breve como wa possui uma força e um sentido que percorrem toda a cultura japonesa, como que um caminho de luz. Wa é sobre harmonia, inclusivismo, corporativismo e equilíbrio entre pessoas, grupos, natureza, antepassados, deuses e religiões.
Intrinsecamente ligado a wa está a cultura do escondimento, o que tem a ver com a forma como os japoneses – em parte devido às perseguições e ao longo isolamento – escondem os seus mais profundos pensamentos e sentimentos. O Japão – acrescenta Fujimura – continua a ser uma cultura do Cristo escondido, que possui um desenvolvido sentido do ocultar daquilo que é mais importante. Assim, naquele povo que honra o escondido e o não-dito, o cristianismo tornou-se uma realidade oculta da cultura japonesa. Poderíamos entrar aqui numa discussão em profundidade do sentido do silêncio do Cristo escondido – por vezes oculto sob máscaras de indiferentismo, ateísmo ou agnosticismo – que deve ser atravessado pela Igreja.
Em comunhão estreita com o escondimento está a dimensão do silêncio. Diz Fujimura que, no Japão, «silêncio é beleza e a beleza é silêncio» e que talvez em nenhuma outra nação haja uma palavra tão relevante como o é a palavra silêncio para a cultura japonesa. Ao indivíduo é requerida a capacidade de conservar os seus pensamentos no interior – em silêncio – por causa do bem-estar dos outros – em nome da harmonia –. Assim sendo, não se trata do que nós, europeus, denominamos hipocrisia; é, sim, a poderosa influência de wa, que faz com que o indivíduo não exista sozinho e não aja sozinho. Fios de uma mesma rede, malhas de uma mesma manta.
Refere, por sua vez, o indiano Mohammad Hassan Oliai, na sua tese de doutoramento de 2013, que no Japão o cristianismo deverá buscar terreno comum ao conceito hebraico de comunidade e afastar-se da identificação com o individualismo ocidental (Oliai¸ The Japanese and Christianity). Num mundo que revela – tantas vezes – uma autorreferencialidade doentia, é bom que o contacto com o diferente abale os nossos alicerces e desperte em nós a necessidade de reflexão destemida e diálogo sem reservas.
Revista “Igreja e Missão”
A Igreja e Missão é uma revista missionária de cultura e actualidade e iniciou se em 1961. Começou como revista dos Professores do Seminário Maior da Sociedade Missionária, em Cucujães. De 1955 até 1960 publicou se a revista Volumus, dos alunos do Seminário de Cucujães, que por sua vez surgira como continuação da revista Vidimus Stellam, dos alunos do Seminário de Cernache do Bonjardim, ambas elas fomentadas pelo P. Porfírio Gomes Moreira. Muitos dos nomes que colaboraram na Vidimus Stellamapareceram depois na Volumus e mesmo na Igreja e Missão.
O primeiro Director da Igreja e Missão foi Manuel Trindade, que se manteve como Director desde 1961 até 1975, data em que passou a missionário no Brasil. Sucederam lhe Francisco dos Santos (1976-77), Manuel de Matos Bastos (1978), Viriato de Matos (1979-83), Artur de Matos Bastos (1984-86), Anselmo Borges (1987-95), António Couto (1995 até 2007), (Adelino Ascenso 2007 até ao presente). O primeiro Conselho de Redacção foi constituído por Agostinho Rodrigues, Castro Afonso e Francisco dos Santos. À medida que saíam de Portugal para países de missionação, sucederam se outros nomes como Aires do Nascimento, Anselmo Borges, José dos Santos Guedes, Viriato de Matos e António Couto, que se têm vindo a alternar conforme as estadias em Portugal.
Dos colaboradores da Igreja e Missão destacam se nomes ligados aos temas do Concílio Vaticano II, ao ecumenismo, sociólogos, teólogos e naturalmente missiólogos e missionários. Menção especial merecem as crónicas do Concílio Vaticano II de Boaventura Kloppemburg e Constantino Koser, bem como a inclusão de intervenções do Cardeal Malula, de Kinshasa, expoente da Igreja em África.
O valor da revista Igreja e Missão foi bem acentuado no ano de 2005 em Fátima, na celebração dos 75 anos da Sociedade Missionária, por D. Carlos Azevedo, Secretário da Conferência Episcopal Portuguesa, e notável especialista em história religiosa de Portugal. Deixamos aqui as suas palavras:
(Os Missionários da Boa Nova) têm revelado capacidade para reflectir as formas de presença da Igreja, nas inovadoras Semanas de Estudo de Valadares, na única e notável revista Igreja e Missão, na qual se espelha o que de melhor em Portugal se pensou e escreveu sobre os complexos e atribulados modos de dar execução ao mandato de Cristo.